Latência é o álbum de estreia de xtinto e serve como uma visita guiada à psique e espírito do rapper de Ourém. Nesta conversa entre a FORUM e o artista, levanta-se um pouco mais o véu deste disco e do percurso que o trouxe até este ponto.

Nasceste em Ourém mas mudaste-te para Lisboa. Quando decidiste fazer essa mudança, vinhas já atrás do sonho da música?
Na verdade, eu nasci em Lisboa e vivi lá até ao 6º ano. Só depois fui para Ourém, terra da minha mãe, porque ela abriu lá um negócio. Mais tarde, depois do secundário, regressei a Lisboa, mas sem o intuito de estudar numa primeira instância. Acabei por tirar um CTeSP em Multimédia, mas o meu objetivo sempre foi vir para ter mais oportunidades na música.

E em que altura da tua vida é que começaste a levar a música mais a sério, a querer que ela fosse uma profissão?
Sempre tive na cabeça fazer disto profissão. Mas sempre fui cauteloso, um pouco por influência dos meus pais, que tinham um pouco mais de receio que eu, por ser uma atividade que pode ser inconstante a nível financeiro. No entanto, houve um momento que me marcou e mudou o meu mindset. Numa entrevista com o Sir Scratch, o T-Rex disse que os seus planos A, B, C, D – e por aí fora – eram a música. E eu ainda pensava em alternativas, caso a música não resultasse. Isto acabou por me marcar muito porque percebi que, para singrar, teria que ter aquela forma de pensar e dar mesmo tudo. Se eu não for mesmo um workaholic, vai ser muito difícil ter sucesso. A partir daí, e com o novo fulgor dos concertos que pude dar depois da pandemia, decidi começar a gerir-me melhor economicamente para poder fazer da música a minha profissão.

 

 

 



Que dificuldades é que um jovem fora dos grandes centros urbanos sente na hora de tentar dar esse salto e tentar fazer música?
Eu encontrei algumas barreiras. O rap não era um estilo de música que a malta de lá [Ourém] sequer ouvisse e muito menos explorasse a rimar, produzir ou por aí. Foi algo que nasceu como um nicho composto por mim e mais uns quantos amigos que ouviam rap tuga bué afincadamente. Depois começámos com os freestyles e, a partir daí, com as músicas, que escrevíamos muitas vezes durantes as aulas e gravávamos depois da escola em casa do DEZ.  Por Ourém ser uma cidade que ouvia muito rock, eu próprio acabei por ter algumas bandas de covers pelo caminho. Mas sim, foi um processo longo, mesmo. Longo e duro. Mas agora sabe a mérito e conquista. Sabe bem subir assim, patamar a patamar, de forma gradual.

O Latência é o teu álbum de estreia e vem no seguimento de alguns projetos de menor duração e algumas participações que te foram cimentando no mundo do rap. Vês este lançamento como um momento de afirmação para ti?
Eu espero que sim, se bem que isso vai ser ditado pelo público e pela forma como as pessoas vão receber este projeto. É muito importante para mim porque é o meu primeiro álbum e sinto que, com ele, estou a abrir-me e dar um pouco de mim e do meu mundo às pessoas. É um disco com um sentimento bastante intimista. Por isso, espero que sim, que seja um trabalho que me faça afirmar e que as pessoas gostem tanto deste álbum como eu. 


«[Este álbum] sabe a mérito e conquista. Sabe bem subir assim, patamar a patamar, de forma gradual»

 

E como é que foi o processo da criação deste álbum? Sabemos, até pelo próprio nome, que já estás a trabalhar nele há algum tempo. Foi frustrante em alguma altura ou encaraste o processo sabendo logo que seria necessário ter paciência?
A parte mais frustrante foi mesmo a da pandemia em que estávamos sem concertos. De resto, Latência era um nome que eu já tinha “fisgado” há muito tempo. Até fui pesquisar ao Twitter e a primeira vez que eu faço menção ao Latência foi por volta de 2016! Senti que agora era mesmo o momento ideal para dar este nome. Conceptualmente faz todo o sentido – não só pela distância entre o primeiro single, o Marfim, e este último, o Cadáver, mas também pelo facto de o espaço temporal ser, na verdade, maior que isso. Já tinha ideia de fazer um projeto com este nome há bastante tempo. Acabei por colocar essa ideia um pouco de parte, depois lancei algumas coisas para o Spotify e, mais tarde, voltei ao conceito. Comecei um pouco a escrever o livro pelo título e depois fui conceptualizando a ideia. O design da capa transmite a ideia de latência, com as várias caras que representam os vários moods que atravessei ao longo de todo este tempo. Alguma da demora veio também da nossa ambição com os vídeos e de alguns “toquezinhos” que foi levando a nível de produção. Foi um processo demorado, mas muito orgânico e que, a meu ver, valeu muito a pena, porque o resultado final ficou mesmo do meu agrado e transmite exatamente o que queria transmitir.


O videoclip para o single “Cadáver” é uma grande produção audiovisual. Sentes que essa componente visual é importante para te ajudar a transmitir a mensagem dos teus projetos?
Foi mesmo o complemento perfeito. Não é só um cartão de visita para a música, mas algo que completa a sua narrativa e tem uma mensagem por trás. Era um passo ambicioso, mas que queríamos dar e o resultado deixou-me muito feliz. É possível que haja mais clips para o Latência, mas terá que ser algo bem pensado. Se lançar vai ser mesmo para completar mais narrativas, não quero fazer um clip só por fazer. Tem que continuar a mensagem e fazer sentido na história.

 

 

Vais também poder levar este álbum para o palco. Como é que pensas traduzir a energia da sua criação em estúdio e esta linguagem visual para o momento de o apresentar a uma plateia?
Vou apresentá-lo num formato um bocado diferente – vamos transpor os arranjos para banda. O feeling eu acho que as pessoas depois vão sentir. Eu defendo bué que as músicas vão ganhando novas formas, não são obras estáticas e as versões ao vivo têm muita responsabilidade sobre isso. Seria extremamente aborrecido estar a tocar uma música durante dois ou três anos e ela ter sempre a mesma forma e o mesmo formato ao vivo. É um bocado por aí, é essa transformação que eu também quero fazer. Não necessariamente passar a energia que tínhamos quando o fizemos em estúdio, mas passar a energia do momento. Acho que isso é ainda mais importante.

Gostas mais do momento de estar no estúdio a criar e conceptualizar uma faixa ou do momento em que a apresentas em palco?
Depende! Se estiver no estúdio por muito tempo, fico com fome de palco. Mas se estiver muito tempo na estrada a dar concertos, também fico com muita vontade de voltar ao estúdio e criar. O momento da criação é o mais divertido para mim, mas é por fases.

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