Pedro Freitas é o “Poeta da Cidade”, um jovem dizedor e autor de poesia que, ao longo dos últimos anos, tem partilhado o seu amor pela literatura através das redes sociais, podcasts e espetáculos ao vivo. Foi para a participação num concurso de talentos em 2017, aos 18 anos, que assumiu o nome “Poeta da Cidade”, declamando hoje com regularidade através de Facebook, TikTok, YouTube e Instagram. Em conversa com a FORUM, Pedro fala das suas motivações e inspirações, refletindo sobre a relação dos jovens com a poesia: “Não é por algo não estar escrito num livro que deixa de ser profundamente poético”.



O que é que é para ti a poesia?

Depende. Uma pessoa pode encontrar poesia em várias valências da vida. Há pessoas que encontram poesia no pôr-do-sol, há pessoas que encontram poesia no rio ou em outras coisas. Eu encontro poesia nas pessoas e no espaço, no universo, fascina-me imenso.

 

Com que idade começaste a escrever?

Por volta do 4.º ano. Comecei a escrever poesia muito antes de a dizer, e, na altura, escrevia para uma namorada que tinha. A maior parte eram poemas românticos, mas tinha também aqueles para a minha mãe, para o meu pai, acho que tenho até um poema sobre a morte.


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Hoje em dia, continuas a escrever. Tens em vista lançar algum livro?

Sim, tenho planos de publicar o meu primeiro livro de poesia até ao final do ano.

E quem são as maiores inspirações para esse livro?

É sempre um pouco ingrato para o escritor tentar limitar ou catalogar a sua poesia. Mas eu olho para aquilo que escrevo como uma espécie de neo-romantismo, ou seja, não é aquele romantismo quase a cair no piroso mas é um romantismo com laivos de modernismo. Eu tento que aquilo que escrevo não seja demasiado piroso, sendo que o conceito de piroso também é variável entre as pessoas. O próprio Fernando Pessoa dizia que “todas as cartas de amor são ridículas”. Apesar disso, eu não escrevo para as outras pessoas, no sentido em que não posso deixar que as opiniões dos outros talhem aquilo que escrevo, e que se sobreponham àquilo que sinto. Dito isto, o meu primeiro livro sai no final deste ano, entre outubro e dezembro, e mesmo que ninguém goste, eu estou orgulhoso dele. O livro será publicado sob A Palavra, que é uma associação cultural para a qual trabalho neste momento.

 


"O meu primeiro livro sai no final deste ano, entre outubro e dezembro, e mesmo que ninguém goste, eu estou orgulhoso dele"


 

Este não será o teu primeiro livro publicado...

Sim, tenho um mini livro, que no fundo é o precursor deste. Este livro é quase igual ao anterior, só que numa versão melhor. A temática é a mesma, com a mesma ideia e conceito.

Para alguém que é tão tímido, como é que é ter exposição?

Já me chegaram a dizer que devia ir para o teatro e ser ator, mas é diferente dizer poesia e fazer espetáculos de encarnar uma personagem. E eu não tenho coragem porque tenho muito medo do ridículo, aquilo que um ator não pode ter. Sou uma pessoa profundamente tímida e com medo de que aquilo que faça seja tido como “cringe”. Os atores precisam de separar a mente do corpo, e eu não consigo fazer isso, só consigo fazer com que o meu corpo atue em concordância com aquilo que eu quero fazer. Portanto, quando vou fazer um espetáculo, ou um conteúdo audiovisual para as redes sociais, nunca tive esse problema de exposição ou de vergonha, porque sempre tive confiança naquilo que estava a fazer. Mesmo no Got Talent, não estava nervoso porque estava confiante e sabia que ia correr bem.

 

Audição de Pedro Freitas, "Poeta da Cidade", no Got Talent Portugal 2017 (Fonte: Canal do YouTube de "Poeta da Cidade")

 

Então o “Poeta da Cidade” não é uma versão amplificada do Pedro, ou um alter ego?

Não, é exatamente a mesma coisa, apenas com um nome diferente. Eu tenho um nome muito comum, há vários Pedro Freitas e o Poeta da Cidade é algo que conquistou um nome, devido à presença nas redes sociais. Alguns miúdos que me veem no TikTok e no Instagram já me param na rua. E os pais também (risos).

O que te levou a escolher o nome “Poeta da Cidade”?

Eu gosto muito de Lisboa, e na altura, em 2017, quando criei o canal no YouTube, queria ficar ligado a isso. O Cesário Verde é considerado o poeta da cidade e é nesta ligação à cidade que eu me identifico com ele, na forma como ele olhava para a cidade, ao se deixar embrenhar pelos sentimentos que a cidade lhe mostrava. Eu tenho alguns textos que bebem um bocadinho daí. Já me disseram “quem achas que és para seres o poeta da cidade?”, mas não interessa se eu sou o poeta da cidade para aquela pessoa ou não. Não posso dizer que foi um nome muito pensado e estruturado, porque não foi, na altura, fez sentido.

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Quais são as tuas maiores inspirações?

O Al Berto, é um dos meus escritores favoritos. Para além de se deixar embrenhar pela cidade, mais uma vez, ele também tem uns toques de romantismo mórbido, que é algo que me fascina bastante. Não posso dizer que tenho uma maior inspiração para aquilo que escrevo, mas sem dúvida que uma das maiores é o Almeida Garrett. A forma como eu me deixo influenciar por ele passa muito por influências de outros artistas de spoken word, de poesia dita, que não posso tanto ligar a uma poesia tradicional. Por isso, quando digo que a minha maior influência é o Garrett, refiro-me sobretudo aos temas . Mas a forma como eu depois pego na inspiração e a transponho para a poesia passa muito por lhe dar uma nova roupagem de poesia dita. Tanto que eu tento fazer com que todos os poemas que escrevo funcionem como spoken word, ou fiquem tão bem escritos como ditos.


"Não posso dizer que tenho uma maior inspiração para aquilo que escrevo, mas sem dúvida que uma das maiores é o Almeida Garrett"



Voltando aos tempos da escola, as disciplinas de Português e Literatura tiveram impacto em ti? Os textos que estudaste arrastaram-te para o mundo da poesia?

Acho que todos nós, quando entramos no secundário e começamos a ouvir falar de Fernando Pessoa, nos apaixonamos um pouco por aquela personagem. Mas mais do que os poetas que estudei, foram os meus professores, tanto de português como de literatura que tiveram impacto em mim. Tive três grandes professores, que foram fulcrais na minha incessante busca de mais. A forma de ensinar era apaixonante, e são pessoas que, além de eloquentes, sabem do que estão a falar e gostam daquilo que falam.

 

 



O que é que achas que falta no ensino para que os jovens tenham mais gosto pela poesia?

Tenho duas possíveis respostas. A primeira, parte dos professores, mas não só, porque eu tive estes professores com as características que referi e mesmo assim continuava a ter colegas mais desinteressados. E a outra, parte daquilo que eu tento fazer no meu projeto “Dialetos Poéticos”, que é ligar aquela que considero como a nova poesia, que ouvimos de rappers como o Sam the Kid ou o Valete, com a poesia tradicional, do José Régio, do Miguel Torga, do Eugénio de Andrade. Tenta-se mostrar à nossa geração que a poesia é uma coisa fechada e eu tenho um espetáculo em que pego em poesia tradicional, pego nesta nova poesia e interligo-as, de forma a criar um poema gigante em que não se percebe onde começa um e onde acaba o outro. Isso serve para mostrar que, apesar de formas e formatos diferentes, aquilo que pode ser considerado poesia não se pode reger por meras categorias. Não é por algo não estar escrito num livro, ou presente numa biblioteca, que deixa de ser profundamente poético. Se pegarmos em textos de rappers ou de outros músicos e pusermos algumas das suas músicas em papel, temos um livro de poesia. Se calhar, não entram em movimentos literários ou não fazem parte da elite intelectual de escritores, mas enquanto olharmos para o panorama literário dessa forma, os jovens vão continuar a não querer saber de poesia, de romances, de literatura. Porque não conseguem criar uma ponte entre aquilo que ouvem todos os dias, de que gostam e com o qual se conseguem relacionar, com aquilo que é no fundo exatamente a mesma coisa, só que num formato diferente.

 

 

Sentes que já conseguiste passar o teu gosto pela poesia aos jovens?

Já tive feedback de muitos jovens a dizer que lhes dei inspiração para começar a ler mais ou que começaram a escrever. Os próprios pais já me pararam na rua para contar que os filhos disseram que o Poeta lhes deu motivação para estudar, e fico muito feliz. Este é o meu objetivo, mas nunca pensei que seria através de uma rede social como o TikTok que ia tocar mais estudantes. Sei também que, principalmente desde que criei o TikTok, os professores mostram os meus vídeos nas aulas, e alguns até me mandam mensagem. Fico de coração cheio porque no fundo é isto que eu quero, não preciso de outra coisa, só isto.


"Este é o meu objetivo (levar os jovens a ler e a escrever mais), mas nunca pensei que seria através de uma rede social como o TikTok que ia tocar mais estudantes"



Estás no Ensino Superior? Qual o curso que escolheste?

Estou a terminar a minha licenciatura em Ciências da Linguagem, na Faculdade de Letras.

E o que vem a seguir?

Partindo do princípio de que acabo o curso no ano que vem, o que vem a seguir depende muito da minha vida em termos de trabalho na associação e dos meus projetos. Mas eu gostava de tirar o mestrado em Ciências Cognitivas e, agora que estou quase a acabar a licenciatura, começo a pensar se não gostava de seguir investigação. Além de ser fascinado pela palavra e pela literatura, sou fascinado pela própria língua em si e há fenómenos a acontecer neste momento, que eu gostava de ver endereçados.

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Enquanto dizedor de poesia, quais foram os momentos que mais te marcaram?

O primeiro foi a audição do Got Talent, que me deu a oportunidade de conhecer o Napoleão Mira, com quem falo ocasionalmente. E quando ele vem a esta zona, vou ver os espetáculos dele. Com isso, também já tive a oportunidade de conhecer o Sam the Kid.

Onde é que ficou o teu desejo de fazer parte de uma música dele?

Está no topo ainda. E entrar na música com aquilo que faço é outra das coisas que eu quero fazer, e que já esteve mais longe.

Tens propostas?

Tenho até uma coisa quase pronta a sair, com o rapper GriLocks. Eu conheci-o porque ele fez um álbum em que o Napoleão entrou, depois ficámos amigos, eu propus-lhe entrar e ele achou boa ideia.

 

 

O que é que te falta fazer? Que planos é que tens para os próximos tempos?

Um dos meus principais objetivos é construir um espetáculo para apresentar a teatros e auditórios e, quiçá, coliseus. Será um espetáculo de poesia, e a ideia é tentar sair dos moldes daquilo que as pessoas estão habituadas a ver associado a um espetáculo de poesia. Normalmente, é poesia com uma guitarra e eu quero dar-lhe uma roupagem completamente diferente, algo que ainda não vi feito nos moldes de poesia dita, só em termos de música.

Se todos os jovens do país estivessem a ouvir-te neste momento, o que lhes dirias?

Diria que estamos a viver numa altura em que tudo aquilo que quiserem fazer consegue ser concretizado. Portanto, não há necessidade de se proporem a fazer coisas de que não gostam, coisas que não querem e, principalmente, coisas que não lhes dão prazer. Partindo do princípio de que o dinheiro é um dos principais limites naquilo que as pessoas escolhem fazer da sua vida, com esta nova realidade tudo aquilo que se queira fazer consegue ser monetizado de uma ou de outra forma, não há desculpa para não fazerem aquilo de que gostam.