No canal de YouTube TV Chelas, encontramos um vídeo de uma viagem do Sam The Kid até ao 2º piso [Estúdio dos Dealema], há cerca de 20 anos. Na altura, gravaram uma música em conjunto. Ficou perdido esse som?

Sam The Kid (STK): Gravámos dois sons. Aliás, dois em que eu participo. Também se gravaram outros sons, como um dos Dealema com os Micro – “Baile de Máscaras” – que penso que foi o único que viu a luz do dia. E gravei um som com o Mundo, era uma música em que dizia… [pausa]. “União faz a força, é uma grande distância”…

Mundo [completa]: “Da palavra à ação” (risos).

Foi o primeiro som juntos?

STK: Sim. Esse ou o som que fizemos para a mixtape do Cruzfader [Cosa Nostra, 1999], que efetivamente viu a luz do dia. Esse foi um som que escrevemos no momento, na cave do Cruzfader, com o NBC a fazer o refrão. É capaz de ser a única música em que me lembro de entrar numa mixtape sem ser no registo “egotrip”.


Visita de Sam The Kid ao estúdio dos Dealema (Fonte: Canal do Youtube TV Chelas)

No momento desse primeiro som gravado, já sentiam uma afinidade? Pensavam um dia vir a colaborar desta forma?

Mundo: Já sentíamos uma afinidade. Mas nessa altura, se calhar, não pensávamos “um dia vamos fazer um projeto”. Foi um processo natural. Fomo-nos conhecendo, partilhando conhecimento. Eu vim a Lisboa umas quantas vezes, mostrávamos beats e ficávamos a noite toda a ouvir. E o Sam ia ao Porto, ao Segundo Piso. As mixtapes ajudaram nesse processo, ao estarmos mais vezes juntos e fazermos mais coisas. Mais recentemente, há coisa de quatro cinco anos, o Sam ligou-me para fazermos umas batalhas de instrumentais e o projeto começou a avivar-se.

STK: O primeiro som que fizemos [neste projeto] foi com o New Max. É um tema que ainda não foi lançado mas que o DJ até costuma deixar a tocar no fim do espetáculo, nos nossos concertos. Criámos tudo no momento, fizemos o beat e escrevemos a rima.

E esse som vai ver a luz do dia?

Mundo: Sim. É engraçado estarmos a falar disso. As pessoas estão sempre a perguntar “quando é que sai a próxima cena?”. E grande parte do pessoal que vai aos concertos ouve esse som, no final, sem se aperceber que é um som nosso (risos). Se calhar, agora vão começar a prestar atenção a esse pormenor.

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Nesse crescimento, quais as coisas que têm em comum e que vos aproximaram?

STK: Para além do gosto musical, o facto dos dois sermos produtores e rappers. Gostamos de liricismo, de flows…

Mundo: À parte das ligações urbanas e de haver muitas coisas similares nas zonas de Gaia e de Chelas, penso que tivemos uma ligação musical. E que continua. Todas as semanas, partilhamos cenas. Continuamos a alimentar essa vertente porque somos duas esponjinhas de informação e gostamos de nos manter motivados. A motivação também nasce de ouvires algo que te inspire.

Relativamente ao processo criativo, fizeram algumas adaptações? Como é a vossa forma de criar em conjunto?

STK: O processo começa com um beat ou uma ideia. Depois surge uma sugestão de um tema… Penso que é normal, como qualquer parceria. Aparece um beat que ambos gostamos, decidimos o tema e escrevemos para esse tema.

Mundo: A única coisa que, se calhar, é um pouco diferente é a distância e o facto de irmos sempre aprimorando as músicas. Muitas vezes, voltamos a gravar, mudamos alguma coisa, acrescentamos alguns samples. Ou seja, depois de fazer o som, ainda vamos limando as arestas e isso leva meses. Como moramos a uma certa distância, temos de demorar algum tempo a fazê-lo.

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Ao longo dos anos, vocês consolidaram uma linguagem muito própria. Quando se juntaram, sentiram que as coisas encaixaram imediatamente ou tiveram necessidade de fazer adaptações, para se encontrem no beat?

Mundo: Penso que a piada é sermos diferentes e termos, por exemplo, vocabulário e expressões diferentes. É isso que traz uma coisa genuína ao projeto. Não passa por “tu vais procurar ser mais Porto, eu vou procurar ser mais Lisboa”. Não, a ideia aqui é cada um representar-se a si próprio. Desta forma, quem está a ouvir consegue viajar entre dois mundos.

Ainda sobre a questão da distância, fizeram muitos concertos em conjunto, partilhando muita “estrada”. Qual a importância desses momentos?

Mundo: É onde fazemos mais brainstorms. Acaba por ser mais isso. Musicalmente, não fazemos nada. O Sam, às vezes, traz uns beats, eu posso trazer uma ideias também… Mas musicalmente não gravamos nada, lá no quarto do hotel (risos)...

STK: Por acaso, houve uma altura em que eu levava uma MPC e fazia vários beats. Mas curiosamente, nenhum desses beats foi para a nossa cena.
Mundo: Foram para outros projetos (risos). Mas tem mais a ver com decidir o próximo passo, o que vamos escrever… Penso que é mais por aí. O que aprimoramos na estrada até foi mais o concerto em si. Como não ensaiamos, a estrada levou-nos a aprimorar o som ao vivo.

STK: E agora serviu também para gravar o vídeo do Gaia-Chelas, em que utilizámos muitas cenas de estrada.


Videoclip de Gaia/Chelas (Fonte: Canal do Youtube Mundo Segundo e Sam The Kid)

Uma das coisas que têm referido em entrevistas é que, hoje em dia, gravar músicas é tecnologicamente mais acessível, mas que é mais difícil evidenciares-te. Quais podem ser bons conselhos para quem quer começar uma carreira?

Mundo: Há pessoal que me faz essa pergunta e eu costumo responder que é melhor aperfeiçoar, antes de dares a conhecer. Hoje, o pessoal grava um som e passado meia hora põe no YouTube. Às vezes, isso não é a maneira ideal. A forma ideal é aperfeiçoares: mostras a alguns amigos, ao pessoal que tu confias e que, se calhar, vai ser mais honesto contigo. Só quando tiveres mesmo aprimorado é que vale a pena mostrares ao Mundo em geral. Às vezes, o primeiro contacto que as pessoas têm com a tua música pode ser aquilo que os prende ou que os faz abandonar-te para sempre.

STK: Acho que em Portugal, ainda há espaço para, se fores mesmo muito bom, rapidamente começares a ser falado. Apesar de haver um número muito maior de rappers do que antigamente. Se fores mesmo muito bom, a palavra vai passar. Se fores muito bom ou se fores “mais ou menos” e fizeres excelentes canções.

Referem muitas vezes – até nas vossas músicas – o papel de programas como o Repto [programa de rádio de José Mariño] em dar a conhecer músicas e possibilitar contactos. Que canais ocupam este espaço, hoje em dia?

Mundo: Tens, por exemplo, o TV Chelas. No Porto, também faço um programa, há dois anos e tal, na Rádio Nova Era – o “Skills”. Também passo muitas coisas recentes e sei que a malta nova também fica colada a ouvir. No fundo, penso que cabe a nós, que somos mais velhos, criar essas plataformas. Não quer dizer que alguém mais novo não possa ter essa iniciativa. Mas nós, que temos mais experiência, cabe-nos criar estes espaços que falam especificamente a linguagem de hip-hop. Acho que isso é importante. E hoje em dia, esse espaço foi colmatado por várias pessoas do meio, não apenas nós.

STK: Às vezes, basta uma conta de Instagram. Há contas que são plataformas. Bacanos que são colecionadores, por exemplo, que podem ter adquirido um álbum que eu nem conheço e que, por isso, o estão a divulgar.

Mundo: Hoje em dia, multiplicaram-se as plataformas. Basta procurares que consegues encontrar. O Sam The Kid até diz isso, no “Brasa”. “Não te informas e há Knowledge em muitas plataformas”. Está ligado a isso. O conhecimento tem de ser procurado, não podemos ficar em casa à espera que ele chegue. E, hoje em dia, se fizeres um bom digging, consegues obter informação muito rápido.


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Já têm data para o lançamento do álbum?

Mundo: Não temos. Neste momento, estamos a fazer músicas e é neste ritmo que vamos continuar. Hoje em dia, se lançares um álbum, para a semana, o pessoal vai encontrar-te na rua e perguntar: “Quando é que sai o próximo álbum?”. E tu respondes: “Eu lancei um álbum há uma semana”. E as pessoas costumam dizer: “Eh pah mas esse já ouvi”. Se as pessoas não sabem como consumir arte, tens de voltar a reeducar as pessoas. O que acontece, quando dás uma música, como temos feito, é que as pessoas a absorvem a totalidade. Isso para nós é espetacular e é o que queremos: que as pessoas absorvam ao pormenor, porque nós também as trabalhamos ao pormenor. Agora, datas, não existem datas. Acho que vamos continuar este método de trabalho.

STK: O álbum, eventualmente, irá existir. Mas esta forma que o Mundo descreveu é, para já, a mais natural. E acho que é também a forma mais inteligente. Faz com que as músicas tenham maior longevidade. Se depois, quando a cena sair fisicamente, houver lá músicas que já têm 10 anos, paciência, que assim seja. Encara como quiseres – um “greatest hits” – como quiseres. Apenas decidimos fazer um trabalho diferente, em movimento, e esse movimento pode durar os anos que forem necessários. Mas vamos estar presentes, uma ou duas vezes por ano, a lançar uma música ou outra desse projeto. São músicas que têm vindo a ser isoladas, todas com videoclip, que é mais uma adaptação importante aos dias de hoje. Mas as gerações futuras poderão ter um ângulo diferente de análise. Poderão ter o privilégio de ouvir um álbum todo fresco. A não ser que fiquem mega-clássicos como “A Minha Casinha” (risos). E, quando nasces, já não são músicas propriamente novas.