Ir para a universidade muitas vezes implica sair da zona de conforto. Todos os anos a entrada no ensino superior significa, para milhares de estudantes, a saída de casa, a deslocação para uma terra diferente, a procura de alojamento e novas responsabilidades, como cozinhar, fazer as compras da semana, entre outras.

Esta era, em 2021, segundo o jornal Público, a realidade de 108 mil estudantes. Em termos de camas a custos acessíveis em residências para estudantes em Portugal, esperava-se que até ao primeiro trimestre de 2024, existissem perto de 16 mil camas. Isto significa, que apenas 15% iriam ter acesso a um lugar numa residência universitária. O Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES), aponta que até 2026, estejam disponíveis para estudantes 18?143 camas. 

Além do alojamento, outra das dificuldades apontadas por estudantes na frequência do Ensino Superior é o custo de vida. Em 2023, um inquérito da Federação Académica do Porto (FAP) a 1277 estudantes, concluiu que quase um terço dos universitários (29%) gastava mais de 500 euros por mês em despesas correntes, enquanto que 26% gastavam entre 350 a 500 euros mensalmente.

 


 

«No início foi bem complicado, estava num sítio novo, não conhecia ninguém, tinha que me desenrascar completamente sozinho»

Joaquim Marques, estudante

 


 

Nesta reportagem procurámos perceber como foi a chegada de Joaquim, Lia e Guilherme ao Ensino Superior. Desde a procura de casa, ao primeiro contacto com a nova realidade, as primeiras semanas de uma vida independente numa terra “desconhecida” e ao impacto que essas mudanças tiveram nas suas vidas.

Casa longe de casa

Depois da colocação, chega a altura de procurar por uma nova casa. Para uns, um processo mais simples, como no caso de Lia Morais, que ingressou na licenciatura em Engenharia e Gestão Industrial da Universidade de Aveiro. A estudante mudou-se de Chaves para Aveiro e descreveu o processo de encontrar uma casa como sendo “um bocado atípico”, porque está neste momento em casa de familiares. Contudo, a jovem de 18 anos tem conhecimento de colegas cujo processo não foi tão simples, tendo de passar algum tempo em hotéis ou pousadas até encontrar alojamento. 

De Lisboa para Rio Maior, foi o percurso de Guilherme Medeiros, aluno de 1.º ano do curso de Treino Desportivo, na Escola Superior de Desporto de Rio Maior do Politécnico de Santarém. E, inicialmente, este era um percurso que pretendia fazer diariamente até se aperceber que a viagem de duas horas entre onde residia e estudava não era “viável”. Foi com a ajuda dos pais, através de um grupo de Whatsapp que criaram para o efeito, que encontrou uma casa que segundo o próprio se encontra muito perto de todas as comodidades e da instituição de ensino superior. 

 

 

Já Joaquim Marques, de Pampilhosa do Botão, Aveiro, mudou-se para Lamego, distrito de Viseu, para estudar Serviço Social na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Lamego do Instituto Politécnico de Viseu (ESTGL – IPV). Descreveu o processo de procura de casa como sendo “complicado”, mas algo que foi facilitado depois de uma habitante da cidade lhe arranjar o contacto da senhoria. 

Um período de grandes mudanças

A independência adquirida, uma nova rotina e o tão necessário tempo de adaptação que implica esta nova fase são algumas das experiências partilhadas pelos jovens com quem falámos. 

Quando questionada sobre o que mudou na sua vida depois de ter entrado no Ensino Superior, Lia disse pensar que “mudou muita coisa”. O principal foi, a independência e o já não morar em casa dos meus pais e ter, de repente, tomar todas as decisões do meu dia-a-dia sozinha”, completou.

Joaquim partilha com a jovem de Chaves o sentimento de que muita coisa mudou na sua vida com o ingresso no Ensino Superior. “No início foi bem complicado, estava num sítio novo, não conhecia ninguém, tinha que me desenrascar completamente sozinho”, descreveu. O travar novas amizades e a participação em atividades como a praxe e a tuna, ajudaram Joaquim no processo de adaptação.

  


29% dos universitários gasta mais de 500 euros por mês em despesas correntes 

 Em 2023, um inquérito da Federação Académica do Porto (FAP) a 1277 estudantes, concluiu que quase um terço dos universitários (29%) gastava mais de 500 euros por mês em despesas correntes, enquanto que 26% gastavam entre 350 a 500 euros mensalmente


 

“O tempo que passei sozinho, foi um tempo de adaptação que passou rápido pois sou muito extrovertido, e foi uma questão de tempo até encontrar algumas pessoas com quem me identifico”, partilha Guilherme. 

Outras das mudanças que se sentem com a entrada no ensino superior são as diferenças quando comparado com o ensino secundário. Alguma “rigidez”, menos acompanhamento e a troca dos habituais testes por trabalhos de grupo e pesquisa foram algumas diferenças que estes três estudantes notaram nos seus primeiros meses enquanto estudantes universitários.  

Uma das diferenças que Lia constata e onde diz ter sentido dificuldades foi logo à partida onde afirmou ter sido “bombardeada com matéria”. É algo que levou tempo a habituar-se, sendo que no final do primeiro semestre confessou já conseguir acompanhar o ritmo a que as matérias eram lecionadas. 

Joaquim revela que algo que notou foi “a rigidez dos professores e a necessidade de ter tudo certinho, seguindo as normas APA nos trabalhos”. De resto, elogiou a disponibilidade dos professores dando o exemplo de uma professora que se ofereceu para os levar ao hospital em caso de necessidade.

 

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A experiência até agora

Desde a ausência de expectativas ao desafio que esta oportunidade representa, os três jovens encaram esta entrada no ensino superior de maneira diferente. No caso de Guilherme, que está a gostar muito da experiência e que a define como “incrível” e ser algo que “procurava”. 

Quando Joaquim chegou a Lamego, na segunda fase de colocações, tinha muitas perguntas na cabeça “o que é que estou aqui a fazer?” e “o que é que eu faço agora?”. Depois com atividades como a praxe, a tuna, ambientou-se ao novo local onde se encontrava.

Embora as primeiras semanas numa terra diferente tenham sido “assustadoras”, as amizades que criou ajudaram-no a superar os receios e as ansiedades que sentiu no início apercebendo-se que as pessoas com quem se dava também, dos caloiros aos mais velhos também tinham passado pelo mesmo. À pergunta “como defines a experiência até ao momento?”, Joaquim respondeu: Está a ser interessante e está a ser desafiador”.

 


 

«O tempo que passei sozinho, foi um tempo de adaptação que passou rápido pois sou muito extrovertido, e foi uma questão de tempo até encontrar algumas pessoas com quem me identifico»

Guilherme Medeiros, estudante

 


 

As atividades também são algo que ajuda a distrair. Quem o diz é Lia, que durante as primeiras semanas nem se apercebeu que estava sozinha numa nova cidade porque tinha sempre imensas atividades para fazer, jantares e praxes, realizadas pelos núcleos de curso e pelas associações de estudantes.

“Eu não tinha muitas expectativas, não tinha nada formulado”, partilha a estudante. Passado uns meses, acredita que a experiência está a superar as expectativas e que está a ser boa, dizendo que como as pessoas “vêm quase todas sozinhas”, conseguem-se criar grupos e novas amizades.

Conselhos de quem está a viver a experiência

Ao iniciar esta nova caminhada, é sempre bom saber pelas palavras de quem lá está, o que podemos fazer para ter uma casa, saber onde comprar coisas, como nos adaptamos a uma nova realidade. Embora quem nos está a ler possa acabar em escolas muito distintas daquelas onde os nossos entrevistados estão, a realidade pode em muitas vezes ser semelhante. Por isso, quais são os conselhos que estes três jovens que embarcaram na jornada do ensino superior nos deixam? 

Joaquim acredita que é importante ter a certeza daquilo que se quer e, sobretudo, não ter medo de dar o salto em frente. Aconselha também a que se procure casa com antecedência. Estando já instalado, fala pela sua experiência que descobriu onde ir às compras mais barato, onde podia lavar a roupa e locais para sair e conviver por recomendações de quem já vivia em Lamego.

 

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Mais um conselho que deixa é para quem “quiser e puder que vá à praxe”. O jovem dá o seu exemplo para esta recomendação, dizendo que criou “uma ligação incrível com a praxe” e que os seus “praxantes” são pessoas “incríveis, que nos ajudam em tudo”. Recomenda também as tunas, local onde diz ter conhecido muita gente e onde também se divertiu, e onde lhe disseram “não precisar de saber cantar ou tocar algum instrumento” para se juntar ao grupo.

Uma coisa que Lia percebe nesta mudança é a necessidade de voltar a casa para matar saudades. No seu caso, como a viagem entre Aveiro e Chaves é longa, confessa que se começa a habituar à distância, dando como exemplo as pessoas das ilhas que não tem a mesma possibilidade de ir a casa como aquelas que residem no continente.

Algo que Lia também notou nos primeiros meses longe casa foi a maneira como faz a gestão do seu dinheiro. A jovem acredita que ao chegar à “universidade é que se começa a ter uma maior noção onde se deve gastar o dinheiro, sendo que no secundário como não temos uma conta nossa não percebemos muito bem quanto estamos a gastar ou se estamos a gastar em coisas fúteis”

Nesta fase de entrada no ensino superior, Guilherme acredita que tudo passa por “um processo de aceitação, pois não há muito a ser feito em relação a essas mudanças”. “O tempo é chave e é uma coisa que vamos aprendendo conforme o tempo passa”, conclui.