O estatuto de trabalhador-estudante é um benefício legal que favorece as pessoas que conciliem os estudos com trabalho, sendo criado para auxiliar trabalhadores que queiram complementar a sua formação profissional ou estudantes que procuram financiar os seus estudos. 

E o que é um trabalhador-estudante ao abrigo da lei portuguesa? É considerado um trabalhador-estudante o trabalhador que frequente qualquer nível de educação escolar, curso de pós-graduação, mestrado ou doutoramento, curso de formação profissional ou programa de ocupação temporária de jovens que tenha duração igual ou superior a seis meses.

De maneira a manter este estatuto é necessário um aproveitamento escolar mínimo a pelo menos metade das disciplinas em que o trabalhador-estudante se encontre matriculado. Existem, contudo, exceções para o aproveitamento escolar em caso de acidente de trabalho ou doença profissional ou doença prolongada. 

  


 

«A necessidade de trabalhar e estudar passou a ser maior, dado que tinha mais contas para pagar»

Gabriela Cardoso, trabalhadora-estudante

 


 

Os direitos enquanto trabalhador

Os benefícios também se aplicam ao local de trabalho. Comecemos pelos horários, que têm de ser flexíveis de forma a possibilitar a presença do trabalhador nas aulas e o cumprimento da atividade laboral. Quando tal equilíbrio não é possível, o trabalhador deve ser dispensado durante o tempo necessário para frequentar as aulas. Há, no entanto, que ter em conta as limitações de acordo com a carga horário do funcionário. Por exemplo, um trabalhador com uma atividade laboral igual ou superior a 38 horas, têm um direito de dispensa até seis horas semanais.

Como trabalhador-estudante, a entidade empregadora não pode exigir que trabalhes além das 8 horas diárias. Só em casos de força maior, devidamente justificados, pode ser requisitado o trabalho em regime de horas extra a um beneficiário deste estatuto.

Outro dos direitos ao teu dispor é a justificação das faltas devido a provas de avaliação. O trabalhador-estudante tem direito a até dois dias por cada prova de avaliação, o dia anterior e o dia da prova em si. Na eventualidade de existir mais que uma prova por dia ou até em dias consecutivos, os dias a que terás direito serão tantos quanto a quantidade de provas que realizares.

 

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Estes dias são remunerados, exceto o valor do subsídio de alimentação referente aos mesmos. Para justificares as faltas junto dos recursos humanos nesses dias deverás comprovar junto dos mesmos a necessidade de deslocação para a realização das provas e o horário em que estas se realizaram de forma a não seres prejudicado. Mas atenção: os dias de ausência concedidos por lei estão limitados a quatro por disciplina, sendo que no caso de mais que duas provas terás de negociar com a tua entidade empregadora como compensar esses dias suplementares.

Também terás direito à marcação de férias consoante as tuas necessidades académicas, a não ser que exista incompatibilidade com a entidade empregadora. Além das férias, também tens direito a 10 dias úteis de licença, contudo estes dias serão descontados do salário não trazendo perda de regalias se forem requeridos consoante o estipulado na lei.

Os direitos enquanto estudante

Como beneficiário do estatuto trabalhador-estudante também tens um determinado número de direitos perante a instituição de ensino que frequentas. Não estás sujeito a frequentar um número mínimo de disciplinas por curso, em graus de ensino onde tal é possível; o regime de prescrição não se aplica; o teu aproveitamento não pode depender da frequência mínima a um número de aulas por disciplina; não tens limitação quanto ao número de exames de recurso a realizar e tens direito à época especial de exames a todas as disciplinas; tens direito a aulas de compensação ou apoio pedagógico; e, caso o estabelecimento de ensino funcione em horário pós-laboral, este deve assegurar dentro desse horário, os exames, provas de avaliação e um serviço de apoio ao trabalhador estudante.

Porquê trabalhar e estudar ao mesmo tempo?

Para Gabriela Cardoso e Ana Palma, de 22 anos, a opção de trabalharem enquanto estudavam surgiu por necessidade. Comecemos por Gabriela, natural de Lisboa e atualmente a estudar no mestrado de Educação e Formação, com especialidade em Gestão e Organização, na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa (FPUL). Profissionalmente, é operadora de hipermercado, tendo iniciado atividade quando ingressou na licenciatura de forma a ajudar a mãe a pagar as contas e a poupar dinheiro para o futuro.

Ao princípio, Gabriela, trabalhava 20 horas por semana, mas no início do segundo ano de faculdade teve de ir morar sozinha, o que implicou a que passasse a trabalhar 25 horas por semana, com horários rotativos. “A necessidade de trabalhar e estudar passou a ser maior, dado que tinha mais contas para pagar”, revela a jovem.

 


 

«Combater o cansaço e a falta de motivação vai ser um desafio, pelo que aconselho a procurarem ajuda e apoio sempre que necessário»

Ana Palma, trabalhadora-estudante

 


 

Ana é natural de Beja, completou a licenciatura em Sociologia em Évora e em 2022, veio para Lisboa estudar numa pós-graduação em Crise e Ação Humanitária, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP-UL) e também é operadora numa cadeia de hipermercados. Partilha que o ano de 2022 foi “difícil, tanto a nível pessoal, como académico e profissional” e assume que a vinda para Lisboa significava “assentar e tentar crescer profissionalmente”, de forma a ter independência financeira e a retirar algum do peso de cima da mãe, que a continua a apoiar à distância. 

Ser trabalhador-estudante, para as duas jovens é “cansativo”. No meio do “stress”, da “pressão”, e de por vezes sentirem que o dia foi “contraproducente”, também retiram aspetos positivos desta experiência, afirmando que esta lhes trouxe maior sentido de organização e de conciliar as coisas ao mesmo tempo. Contudo, Gabriela aponta também um sentimento de revolta por precisar de o fazer, indicando que “com um ordenado abaixo do mínimo chega a ser quase impossível viver”. 

Dificuldades que foram ultrapassadas

Juntar trabalho, vida académica e pessoal é um desafio para as duas jovens. Para Gabriela, as dificuldades passam por “manter uma rotina saudável, conseguir alimentar-me como deve de ser, dormir as horas suficientes e ainda ter tempo para o meu pequeno círculo social e, principalmente, para cuidar de mim”. “Outra dificuldade que sinto é obter um resultado académico correspondente às minhas capacidades”, acrescenta.

Além destes desafios, Ana também aponta o cansaço dos horários rotativos. A falta de descanso traduzia-se em “alturas onde não conseguia descansar bem”, pois tinha de acordar cedo ou deitar-se tarde, impactando isto a sua produtividade e horário de repouso. À semelhança de Gabriela, também considera o facto de ter menos tempo livre para outras atividades, sejam elas educativas ou de lazer, algo desafiante.

 

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Estes obstáculos que o trabalho traz à rotina das estudantes, leva a uma maior gestão e organização do seu tempo. Embora trabalhem as duas em part-time, Gabriela e Ana arranjam formas diferentes de reduzir o impacto da vida profissional na sua formação e vida social.

Gabriela coloca tudo na sua agenda. “Até o horário de dormir”, conta, entre risos. Diz que esta organização contribuiu para que gerisse melhor todas as fases do seu dia, desde a vida social, aos horários da faculdade, às entregas de trabalhos e a alimentação. “Ficava durante várias horas sem comer por não conseguir ‘ter tempo’, ou não conseguia dormir por ter muito a fazer”, confessa.

Encarar o trabalho como uma aprendizagem e as amizades feitas contribuíram para que Ana ultrapassasse as dificuldades. O estudar com amigos em cafés ou bibliotecas “permitiu que mantivesse a concentração e enganava o cérebro quando cansado”, descreve. Ana considera que geriu bem o seu tempo, “priorizando sempre a saúde mental”.  

Embora Gabriela sinta que trabalhar e estudar simultaneamente tenha impactado as suas notas, especialmente sendo o seu curso mais à base de trabalhos de grupo, Ana sente que não foi afetada academicamente. Refere, no entanto, ter-se sentido mais desmotivada com situações esporádicas que ocorriam no trabalho.

 


 

«Priorizem a vossa saúde mental, principalmente o vosso sono e bem estar físico»

Gabriela Cardoso, trabalhadora-estudante

 


 

A problemática dos horários

Os horários foram a condicionante mais apontada pelas jovens quando questionadas se sentiram os seus direitos enquanto trabalhadores-estudantes prejudicados. A rotatividade dos horários, a falta de compatibilidade com os horários de estudo e o facto de estes serem fornecidos pela empresa, no caso de Ana, na semana anterior.

Estes fatores levantavam outras questões, o medo de dizer “não” a horas extra e horários não compatíveis e o de pedir dias que eram um direito seu enquanto trabalhador-estudante, com receio que tal influenciasse a possibilidade de renovarem o contrato e de efetividade com a empresa.

Dicas para futuros trabalhadores-estudantes

Quisemos saber quais são os conselhos destas duas jovens para quem procura ser trabalhador-estudante. Ana recomenda muita “persistência e força de vontade em tudo aquilo que fazem” e deixa o aviso: “combater o cansaço e a falta de motivação vai ser um desafio, pelo que aconselho a procurarem ajuda e apoio sempre que necessário”

A jovem de Beja conclui dizendo: “peçam o estatuto de trabalhador-estudante e não tenham medo de falar com a vossa chefe”. Gabriela recomenda muita organização para quem optar por esta via, mas que “não tenham receio de demorar mais tempo a fazer as coisas”. “Priorizem a vossa saúde mental, principalmente o vosso sono e bem estar físico”, conclui.