Depois de um ano em que a mobilidade de estudantes para solo nacional registou uma quebra de 18%, o número de alunos estrangeiros no ensino superior português aumentou 132%, no presente ano letivo. Atualmente, existem em Portugal cerca de 65 mil alunos estrangeiros, sendo que 18% realizam períodos de mobilidade ao abrigo do programa Erasmus+.
Isabel Morais é coordenadora administrativa dos programas de mobilidade da Faculdade de Motricidade Humana (FMH) da Universidade de Lisboa e encontra na pandemia da Covid-19 a principal razão para esta oscilação no número de estudantes estrangeiros. “Depois de um ano com menos fluxo devido à pandemia, nota-se que os alunos querem viajar. Estão saturados dos confinamentos”.
E o que leva milhares estudantes internacionais a escolher Portugal como destino? De acordo com Isabel Morais, estes alunos chegam a Portugal à procura de novas experiências e novos sabores. “Os alunos estrangeiros da nossa faculdade geralmente escolhem Portugal pelo clima, pelo surf – uma vez que a nossa faculdade está muito ligada ao desporto – e pela comida, embora muitas vezes nunca a tenham experimentado”, refere a coordenadora.
“Portugal parecia-me outro mundo, já que a Polónia é muito escura e cinzenta a maior parte do ano”
Julia Szymankiewicz
Foi esse o caso de Julia Szymankiewicz, estudante polaca de 23 anos que optou pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, para estudar Gestão de Negócios de Turismo. Julia escolheu Portugal depois de visitar o país durante o “gap year” realizado no final do ensino secundário. “Durante esse ano trabalhei numa base de parapente, na ilha da Madeira, e num bar no Algarve”, conta, explicando que, para além do clima e do desporto, ficou encantada “com a arquitetura e com as pessoas portuguesas”. “Portugal parecia-me outro mundo, já que a Polónia é muito escura e cinzenta a maior parte do ano”, reforça a estudante.
Também vinda da Polónia, Marta Grodzki, de 25 anos, estuda Direito na Universidade Portucalense, no Porto. A estudante conta que encontrou três motivos para escolher Portugal. Para além da maior acessibilidade financeira e da simpatia que sempre encontrou nos portugueses, Marta explica que o clima foi decisivo para a sua escolha: “Sinto que não há inverno em Portugal, a temperatura acima de 0.ºC em janeiro é como uma primavera sem fim”.
“Sinto que não há inverno, a temperatura acima de 0ºC em janeiro é como uma primavera sem fim”
Marta Grodzki
Para os estudantes contactados pela FORUM, a segurança é outro dos fatores a ter em conta no momento de escolher o nosso país. Litay Lamus tem 20 anos, estuda Medicina na Universidade de Lisboa e veio do outro lado do Atlântico para estudar. Nascida na Colômbia, escolheu Portugal porque, entre outras razões, “é um país mais seguro do que a Colômbia”. “Aqui podemos andar às duas da manhã na rua, na Colômbia seria mais complicado”, acrescenta.
A estudante brasileira Kamille Cristaldo, do Instituto Superior Técnico, também teve em consideração este fator, que elege como um dos principais motivos para escolher Portugal. “Acredito que a segurança seja o fator que mais pesa na hora de escolher um país para morar”, destaca Kamille. Por outro lado, a estudante viu as afinidades entre os dois países como um ponto a favor: “Mesmo estando no outro lado do oceano, sabia que ia sentir-me em casa pela conexão que Portugal tem com o Brasil”.
Acolhimento e adaptação
Isabel Morais, a cada novo semestre, não poupa esforços para receber os alunos da melhor forma na sua instituição. Ainda antes de chegarem, lança aos novos alunos internacionais desafio para se apresentarem através do grupo de WhatsApp. Chegados a Portugal, os estudantes realizam uma semana de orientação, durante a qual Isabel Morais apoia na criação de horários e recolha de toda a documentação necessária. “Criei também um programa dentro da faculdade em que alunos portugueses acompanham os estudantes estrangeiros durante a sua estadia”, acrescenta ainda.
“O ensino tem um grande nível de excelência e é isso é muito claro no dia a dia nas universidades”
Kamille Cristaldo
A brasileira Kamille Cristaldo revela que o acolhimento fez com que sentisse “muito bem recebida, especialmente pelos alunos da universidade”. “Fiz amigos que me acolheram muito rápido e tornaram a transição mais fácil para Portugal”, conta, antes de acrescentar: “o ensino tem um grande nível de excelência e é isso é muito claro no dia a dia nas universidades”.
Contudo, nem todos os pontos foram positivos, acrescenta. Embora “a maior parte dos portugueses nos recebam de braços abertos, o mais difícil é lidar com situações de preconceito contra imigrantes que acontecem no dia-a-dia”. Já Litay Lamus conta que a sua passagem por Portugal tem incluído experiências diversificadas: “Quanto a estudantes, encontramos de tudo. Há colegas muito simpáticos, mas há outros que consideram que não deveríamos estar a ‘tirar vagas’, como somos estrangeiros, e que somos inferiores, de certo modo”.
Falar português, uma barreira?
Na FMH, os alunos são sempre recebidos em inglês, conta Isabel Morais. “A barreira geralmente é tudo o resto. É tudo novo, sendo que, para muitos, é a primeira vez que saem de casa”, declara Isabel Morais. “Na FMH a língua não é uma barreira na chegada, mas pode tornar-se uma barreira [mais adiante]”.
Alguns dos estudantes contactados pela FORUM revelam que a língua acabou por ser um obstáculo. Foi esse o caso de Litay, que “pensava estar a dizer corretamente palavras que não existem em português”. “As pessoas pensam que, por o espanhol ser muito parecido com o português, seria mais fácil, mas sinto que foi o contrário”, reforça. Até aperfeiçoar os seus conhecimentos de português, a estudante admite que se sentiu frustrada, tendo inclusivamente dificuldades em momentos de avaliação oral.
Para Marta, tudo se tornou mais fácil depois de dominar a língua portuguesa, ao realizar um curso intensivo de cinco meses. Ainda assim, conta a estudante, entre sorrisos, “existem alguns sons no português que são muito difíceis de pronunciar”. “Felizmente, os portugueses tentam sempre entender e ajudar”, revela.
Um país a que chamam casa
Foi há dois anos que Litay se mudou para Portugal, vinda da Colômbia. A princípio, a mudança foi difícil. “Não estava a conseguir acompanhar os estudantes de cá porque o ensino é mais especializado”, refere. Por outro lado, o facto de o povo colombiano ser mais afetivo teve também o seu peso. “Gostamos de dar beijos, abraços, estar presentes todos os dias, e cá as pessoas são mais reservadas”, explica Litay, antes de ressalvar: “Mas já conheci cá pessoas incríveis, com um coração gigante, mas sempre fora da faculdade, como na residência de estudantes”.
"Portugal criou-me e é a minha segunda casa” Litay Lamus
Mesmo tendo em conta as dificuldades, Litay não tem dúvidas: “Se voltasse atrás, teria escolhido Portugal novamente – aprendi imenso, ganhei maturidade e personalidade. Portugal criou-me e é a minha segunda casa”. Julia acrescenta que, ainda que parte da sua experiência tenha sido em confinamento, sentiu-se sempre muito acolhida. “Fiz amizades incríveis com portugueses e agora sinto-me em casa. Mudar para Portugal foi a melhor decisão que poderia ter tomado”, finaliza.