O matemático e psicólogo Seymour Papert escreveu um dia que um viajante no tempo, caso fizesse uma viagem desde o passado até aos nossos dias teria reações diversas consoante o que viesse a presenciar. Numa sala de operações de um hospital, por exemplo, teria enormes dificuldades em entender o que estivesse a ocorrer, face aos vários recursos tecnológicos a que recorrem as ciências médicas. Contudo, se o espaço fosse uma sala de aula, a dificuldade seria bem menor – ou até nenhuma. A disposição do espaço, as interações entre os presentes e os processos pedagógicos revelar-se-iam instantaneamente familiares.
Com este exercício, Seymour Papert quis sublinhar que a escola e a educação se mantiveram por muito tempo ao largo dos desenvolvimentos tecnológicos. O resultado desta cristalização tem-se traduzido na manutenção de dispositivos pedagógicos que conservam as mesmas metodologias de ensino e reproduzem interações seculares entre os intervenientes, por um lado, e, por outro, na exigência de aulas presenciais, realidades agora desafiadas pela disseminação do Ensino à Distância (EaD) – ou “a distância”, como há quem proponha.
Em Portugal, no terceiro período do ano letivo anterior, o número de alunos abrangido por pela metodologia de Ensino a Distância terá atingido cerca de dois milhões.
A referência a Seymour Papert não é acidental: este cientista da área da computação foi pioneiro na defesa da utilização do computador na educação, um passo essencial para a criação de circunstâncias suscetíveis de ampliar a autonomia dos estudantes nos processos de aprendizagem. Ao longo dos anos e décadas seguintes, o computador viria a confirmar o seu potencial na intermediação entre os intervenientes no ensino-aprendizagem e a assumir-se, utilizando software apropriado e articulado em rede, como o instrumento indispensável ao EaD.
A utilização do computador veio otimizar processos não inteiramente novos. O ensino e a aprendizagem realizados de forma não presencial estão longe de ser uma criação recente. Basta recordar algumas experiências de formação à distância anteriores, como as organizadas através de correspondência postal, cassetes de áudio e vídeo, rádio ou televisão (a telescola), e outras, ainda mais antigas, como a aprendizagem de línguas por correspondência no séc. XIX.
Múltiplas formações, múltiplos ambientes
Sempre que emergem contextos de carácter excecional que levam (ou obrigam) a desafiar modelos vigentes, surgem perspetivas que estimulam alterações das práticas. Foi o caso do cenário da pandemia de Covid-19, que forçou o sistema educativo a adaptações rápidas, designadamente a adoção de aulas online. Nessas circunstâncias, a utilização de computadores em rede e de software para substituir de aulas presenciais tornou-se o fator crucial para a atual realidade de generalização do EaD online.
Tal difusão tem um alcance cada vez mais amplo quanto às áreas de formação envolvidas e aos níveis de ensino implicados. Suporta-se numa perspetiva que dá origem a múltiplas experiências de formação online, de e-learning, de EaD, que recorrem a uma multiplicidade de ambientes virtuais, de plataformas como a Moodle, a Edmodo e a Google Classroom, entre outras, utilizadas por diferentes instituições. O que une fundamentalmente estas experiências de ensino-aprendizagem é o recurso a meios de comunicação eletrónica que dispensam a presença física dos intervenientes, à disponibilidade permanente de conteúdos e à flexibilidade espacial e temporal das aprendizagens, realizadas através de plataformas digitais.
Em todo o mundo haverá atualmente, de acordo com a UNESCO, 190 países, 1600 milhões de estudantes e 60 milhões de professores inseridos na realidade do Ensino a Distância.
Uma das consequências da pandemia, tal como já foi sublinhado pela UNESCO, foi a necessidade de reorganização dos sistemas educativos, no sentido de uma generalização do ensino online a um universo crescente de estudantes. Em Portugal, no terceiro período do ano letivo anterior, o número de alunos abrangido por esta prática terá atingido cerca de dois milhões.
Em todo o mundo haverá atualmente, de acordo com a UNESCO, 190 países, 1600 milhões de estudantes e 60 milhões de professores “arrastados” para esta nova realidade, embora estes números devam ser tomados com reserva, dadas as sérias desigualdades de acesso às tecnologias indispensáveis ao EaD entre populações de muitos países.
Vantagens: Ganhar tempo e à-vontade
O historial de experiências registado em 2020 e no ano letivo em curso permite abrir caminho a algumas reflexões por parte dos intervenientes no EaD, professores e estudantes. As perceções notadas são parcialmente compatíveis com o que no plano teórico tem sido elaborado sobre esta realidade. No caso do ensino superior, foi possível rastrear observações que mostram genericamente como estão os universos docente e discente a adaptar-se.
Para alguns professores, há lições inequívocas a retirar, depois de terem sido “obrigados” a transportar para o mundo do online e da informática, com o mínimo de adaptações, os conteúdos anteriormente organizados para um contexto presencial. Se, atualmente, “as aulas tendem a correr melhor”, conta o professor do Instituto Politécnico de Coimbra, Mário Monteiro, a impressão geral é a de que nem professores nem alunos parecem ter preferência por aulas à distância. Isto apesar do reconhecimento de que este modelo veio para perdurar e detém potencialidades – a possibilidade de o Ead vir a constituir-se como complementar ao ensino presencial parece ser, efetivamente, encarada como bastante verosímil.
Entrar no ensino superior em pandemia. O que contam os estudantes?
Estudantes de todo o país relatam a forma como a pandemia tem impactado a sua experiência de entrada no ensino superior.
Do ponto de vista dos estudantes, uma das vantagens mais citadas é a da redução do tempo gasto em deslocações. “Ganha-se tempo para fazer trabalhos e estudar”, reconhece a estudante de Design e Multimédia na Escola Superior de Educação de Coimbra do Politécnico de Coimbra, Mariana Figueiredo. Essa dispensa é também proveitosa para a realização de “reuniões de esclarecimento de dúvidas, porque nas aulas é quase impossível”.
Há, contudo, reservas à comunicação online. “É melhor colocar dúvidas oralmente. Por escrito é mais difícil e, em aulas de arte, é necessário ter à frente os suportes físicos dos trabalhos”, acrescenta a estudante. Por outro lado, ainda que alguns professores reconheçam algumas dificuldades no agendamento de sessões para a marcação de dúvidas – “que partem, por vezes, do princípio de que os professores estão sempre disponíveis”, realça Mário Monteiro – o dispositivo online é também destacado por outros docentes como potencial fator de maior “proximidade” entre professores e estudantes.
Do ponto de vista dos estudantes, uma das vantagens mais citadas é a da redução do tempo gasto em deslocações. “Ganha-se tempo para fazer trabalhos e estudar”, reconhece a estudante Mariana Figueiredo.
Os estudantes destacam ainda como vantagem do Ensino a Distância a perceção de que pode proporcionar – ultrapassados os constrangimentos iniciais – mais fácil participação nas aulas, nas discussões e nas apresentações de trabalhos, menos problemáticas do que as presenciais. “Sentimos mais à-vontade para falar, nem olhamos para as câmaras”, diz Mariana, que está a terminar o primeiro ano da licenciatura.
Limitações: aulas práticas e avaliações
Uma das aparentemente promissoras mais-valias do EaD não é consensual: a autonomia na aprendizagem e na pesquisa não está necessariamente garantida. Para Mário Monteiro, tal dependerá “dos métodos implementados pelos professores e da relação estabelecida com os alunos.” Há ainda outro consenso entre docentes e alunos: as aulas à distância não serão adequadas para certos cursos e formações. Há conteúdos dificilmente compatíveis com o EaD, como os das formações na área da saúde e os do ensino artístico.
No contexto da pandemia houve, como seria previsível, impedimentos às aulas práticas e aos estágios nos hospitais, por exemplo, bem como condicionamentos à execução de trabalhos práticos de forma presencial. A inadequação do EaD a tais formações pode resultar em perdas na qualidade das formações – dizem os intervenientes.
Quais as vantagens (e desvantagens) do e-Learning?
Em 2015, o valor de mercado do ensino a distância (e-Learning) chegou aos 107 mil milhões de dólares. As projeções apontam que, em 2025, o valor possa mais do que triplicar. Portugal pretende formar 50 mil adultos até 2030. O ensino a distância parece destinado a aumentar a utilização. Qual a popularidade mundial desta opção? E quais principais vantagens e contrariedades?
A avaliação é também vista como um calcanhar de Aquiles. Há professores que experimentaram diferentes aplicações e enfrentaram dificuldades no rigoroso controlo das performances dos estudantes e na identificação de plágios. De acordo com o estudante de Biotecnologia Medicinal na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico do Porto, Tiago Costa, registaram-se mesmo situações de injustiça, com “alunos menos bons a terem melhores notas do que os mais estudiosos e mais honestos”
O reduzido conhecimento dos avaliados não ajudou à avaliação. “Para dar uma nota a um aluno que está nas práticas, é importante estar com o aluno e conversar com ele”, explica Mário Monteiro. Outros estudantes, como Diogo Paixão, que terminou uma licenciatura em engenharia mecânica e está agora a frequentar um mestrado, consideram que houve “avaliações mais ou menos arbitrárias”, resultantes do desinteresse ou incapacidade de certos professores no controlo e esclarecimento das aprendizagens realizadas. Para o estudante, falta formação técnica e pedagógica adequadas para o “e-professor”, sendo que “há professores mais velhos que são mais desmotivados para evoluírem no online”.
As questões técnicas
Também sublinhados como dificuldades, sobretudo em 2020, foram os obstáculos de caráter técnico: dificuldades de acesso à rede, lentidão ou interrupções dos fluxos de comunicação. À medida que milhares de aulas ocorriam simultaneamente online, muitas das sessões apresentavam ruídos e contrariedades. “Às vezes ouvíamos o professor com cortes”, recorda Mariana Figueiredo, que destaca ainda o impacto do desajuste entre o tempo disponível para as reuniões entre colegas (exíguo) ou para aulas que considera demasiado longas. Para Mariana, a dispersão é aqui um claro risco, com estudantes a “desligarem-se” por cansaço. “É difícil seguir três ou quatro horas de aulas contínuas”, reconhece a aluna.
As aulas online têm igualmente – opinião partilhada por todos – o inconveniente da quebra de socialização: “Fizemos amizades que não seriam possíveis só online”.
As aulas online têm igualmente – opinião partilhada por todos – o inconveniente da quebra de socialização, mesmo se os estudantes se esforçaram por comunicar entre si, por necessidade intrínseca de contato social e para organizarem grupos de trabalho, que terão funcionado melhor em situação presencial. “Fizemos amizades que não seriam possíveis só online”, confessa Mariana.
Apesar de algumas vantagens atribuídas ao EaD, parece clara a preferência por aulas presenciais. “Sinto que conheço melhor os professores que conheci presencialmente do que os que conheci online. E estar presencialmente estimula mais a participação, a compreensão e a motivação”, conclui Mariana, uma conclusão que é partilhada por outros estudantes.
É provável que, no futuro ,a solução seja a de uma organização híbrida, combinando EaD com aulas presenciais – o chamado b-learning. De uma forma geral, os professores e alunos auscultados sobre as suas experiências manifestaram opiniões que convergem na consideração da supremacia das aulas presenciais, avaliadas como bastante mais estimulantes. Sobre isso, não haverá melhor testemunho do que a citação da pergunta feita por uma estudante de ciências médicas: “Ó professor, quando é que vamos ter aulas a sério?”.