Quando Afonso Branco e André Ivo se cruzaram pela primeira vez, a música foi uma das coisas que encontraram em comum. Dessa amizade, nasceu o projeto Miss Universo cujo primeiro álbum, Manifesto do Jovem Moderno, foi lançado a 18 de outubro. Afonso Branco, em conversa com a Forum, conta tudo sobre a criação desta banda e revela alguns dos temas que lhe são importantes.
“Tudo começou num convívio com amigos”, começa por explicar Afonso Branco, uma das metades que compõe os Miss Universo. Nessa festa, Afonso conheceu André Ivo, que é hoje a outra metade da banda. Nesse primeiro encontro, Afonso e André perceberam que o gosto pela música os unia. “A partir daí, criámos uma relação”, recorda Afonso, de 20 anos.
Videoclip do primeiro single dos Miss Universo, "Ser Português"
(Fonte: Canal de YouTube dos Miss Universo)
Foi apenas depois de André regressar de Nova Iorque, onde estivera a estudar cinema, que esta amizade resultaria na criação dos Miss Universo. “Nessa altura, juntámo-nos a tocar guitarra, algumas canções originais que tinha criado”, conta Afonso que, até então, tinha vindo a tocar na rua, sobretudo na Baixa Lisboeta. “Começámos a ficar com algo mais composto”, acrescenta, contando que, antes dos concertos em dupla, começaram por fazer DJ sets em conjunto em alguns espaços de Lisboa. Apenas depois surgiria a banda Miss Universo.
A explicação para o nome, garante Afonso Branco, “não é muito interessante”. Tudo começou quando Afonso e André estavam “numa fase em que tudo era nome de banda”. Focavam coisas que liam ou viam – de Super Bock a Smoking Filters – e, todos os dias, “tinham um novo nome para o projeto”. Até que, “numa conversa sobre uma Miss Portugal”, acabaram por fixar o nome do projeto em Miss Universo, que se mantém até hoje.
«[No álbum Manifesto do Jovem Moderno] dizemos aquilo que pensamos e abordamos temas que nós achamos importantes»
Afonso Branco, Miss Universo
A imagem de uma concorrente deste tipo de concursos, escolhendo a paz no mundo como o seu principal desejo, foi algo que divertiu os hoje Miss Universo. “Achámos piada e quisemos desconstruir isso, por não acharmos que exista uma relação entre a beleza e a inteligência”, conta Afonso, antes de acrescentar: “Há sempre a ideia que ser Miss é uma coisa que não é para nós – mas Miss podem ser várias pessoas que tenham coisas para dizer”.
O que dizem os Miss Universo?
Em entrevista à Rimas e Batidas, em maio deste ano, Afonso disse: “Eu não tenho uma necessidade para lançar canções, tenho uma necessidade de coisas para dizer”. À FORUM, Afonso explica que o álbum de estreia da banda segue o mesmo objetivo: “Dizemos aquilo que pensamos e abordamos temas que nós achamos importantes”. Quais são então as coisas que os Miss Universo têm para dizer?
Respondendo à pergunta, Afonso aborda os três primeiros singles do álbum de estreia da banda Manifesto do Jovem Moderno: Ser Português, Canção da Rua e Estamos Entregues aos Bichos. O primeiro tema é uma “música antirracista”, segundo Afonso, que é “completamente irónica”, que chegou até "a ser partilhada por malta nacionalista”.
Já o single mais recente, Estamos Entregues aos Bichos, fala “sobre as pessoas estarem completamente alheadas e ficarem reduzidas aquilo que lhes é mostrado, ao invés de explorarem”. É aí que Afonso partilha uma frase que lhe foi dita em conversa por André: “Há muito a sensação de que somos a geração mais informada, mas não, somos a geração com mais informação, o que é completamente diferente”.
A ligação musical entre André e Afonso passa também pelo campo da criação. Há músicas que nascem numa ideia de um, de outro ou de ambos. “O facto de uma canção vir de um de nós não significa que seja mais minha ou dele”, realça Afonso, que acrecenta que, hoje, já se conhecem “muito bem”. Uma relação que tem crescido também na estrada, com vários concertos pelo país que têm sido uma oportunidade de “trabalhar a relação com o público, a equipa e os músicos” que os acompanham desde o primeiro espetáculo.
A herança musical
Tanto Afonso como André são de famílias de músicos. Afonso é filho de músicos e neto de José Mário Branco, uma das figuras incontornáveis do panorama musical português do século XX. André conta com a influência de pais, tios e avós, sendo um deles o fadista lisboeta José Manuel Rato.
Afonso considera que os dois músicos têm diferentes influências. A presença dos géneros musicais de rock e blues marcou o crescimento de André, enquanto Afonso diz ter tido uma escola “de música portuguesa, brasileira e muita música francesa”. Quando questionado sobre os artistas que mais o influenciaram no seu trajeto no mundo musical, Afonso refere nomes como Jorge Palma, Manuel Cruz, Zeca Afonso, A Garota Não ou Chico Buarque e diz ser “fascinado” pelos Beatles. “Tenho uma tatuagem dos Beatles e um poster deles na parede do meu quarto”, partilha.
Videoclip de "Estamos Entregues aos Bichos", single do álbum Manifesto do Jovem Moderno (Fonte: Canal de YouTube dos Miss Universo)
Música, jovens e política
Falando sobre a relação atual que encontra entre o mundo da música e a partilha de convicções políticas, Afonso fala do caso dos Miss Universo, dizendo que “não é fã do conceito de músicos de intervenção” – “isso é meter todos os cantores de intervenção no mesmo saco e dizer que os outros músicos não intervêm”. Para justificar, cita uma frase ouviu certa vez ao avô, José Mário Branco: “O Tony Carreira e o Marco Paulo são tão músicos de intervenção quanto eu”.
Aos olhos do músico, a ligação dos jovens ao mundo da política encontra-se viva. Afonso diz notar “uma preocupação e sentido de atividade”, usando como exemplo as manifestações antirracistas e pela habitação. “Muito pessoal que vi na manifestação da habitação era jovem e organizou-se em grupos”, revela, ressalvando que, no entanto, existem também aqueles que “se estão a borrifar para tudo porque dá trabalho e não dá prazer”. “São pessoas que preferem estar na ignorância e estão mais felizes por causa disso”, reforça.
E o futuro dos Miss Universo?
Depois do lançamento do álbum de estreia, a 18 de outubro, o futuro imediato dos Miss Universo passa pela apresentação deste trabalho em dois concertos: o primeiro a 15 de novembro, no Musicbox, em Lisboa, e o segundo no dia 21 de novembro, no Maus Hábitos, no Porto.
Olhando mais à frente, Afonso fala sobre a participação em festivais para “ganhar algum espaço” e partilha a ambição de um dia “poder vir a tocar num festival como o Bons Sons”. “Há muitos projetos que gostávamos de fazer como Miss Universo", conta, antes de finalizar, sorridente: “Cada coisa a seu tempo”.