Uma democracia plena assenta em princípios fundamentais e inalienáveis: separação efetiva de poderes, liberdade de expressão, multipartidarismo, Estado de Direito, eleições regulares justas, entre outros. As diversas instituições deste sistema político e a ação dos seus protagonistas devem ser transparentes e escrutináveis.

Hoje, temos a perceção de que a democracia atravessa uma crise grave, sendo a corrupção uma das principais causas (mas não a única) desta crise. Bem entendido, isso não significa que a corrupção seja um problema recente das democracias. Significa sobretudo que é um assunto prioritário da agenda dos media e até dos sistemas policial e judicial dos regimes democráticos, mas também – como, aliás, ocorreu no passado – se tornou uma bandeira agitada, por vezes de modo hiperbólico e demagógico, pelos movimentos “populistas” para descredibilizar as democracias.

 


«As democracias de maior intensidade estão, hoje, a travar uma luta difícil pela sua sobrevivência»

 

De acordo com a Infopédia, a corrupção define-se pela «prática de ato lícito, ilícito ou de omissão contrária à lei ou aos deveres de determinado cargo, por parte de alguém que, no cumprimento das suas funções aceita receber uma vantagem indevida em troca da prestação de um serviço». Geralmente, esta prática está associada à obtenção ilegal de benefícios ou de gratificações avultadas por altos funcionários do Estado. Contudo, sabemos que a corrupção não está associada exclusivamente à política, ainda que seja neste meio onde se verifica com mais frequência.

As democracias de maior intensidade estão, hoje, a travar uma luta difícil pela sua sobrevivência. A título de exemplo, um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, intitulado Ética e integridade na política, publicado, em 2022, por Luís de Sousa e Susana Coroado, concluiu que, na União Europeia (UE), 54% dos inquiridos está satisfeito com a democracia e 34% revela confiança no Parlamento. Já em Portugal, estas percentagens diminuem, situando-se nos 41% e 36%, respetivamente.

 

 

Consultando o estudo editado no site da “Transparência Internacional”, que publicitou os Índices de Perceção da Corrupção no mundo relativos a 2021, verificamos que a Dinamarca e a Finlândia (estados da UE) surgem representados como os países menos corruptos. Nesse estudo, Portugal está classificado na 62.º posição, num universo de 182 países, porquanto a sua Estratégia Nacional de Combate à Corrupção apresenta falhas «por deixar de fora do seu âmbito os gabinetes dos principais órgãos políticos e de todos os órgãos de soberania e, também, o Banco de Portugal».

No intrincado sistema legislativo da União Europeia, a proteção contra fraude e a corrupção está vertida em diversas leis. A título de exemplo, podemos mencionar o artigo 325.º do Tratado do Funcionamento da UE (TFUE), que «estabelece a responsabilidade partilhada entre os Estados-Membros e a União na tomada de medidas na luta contra as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União».

A transparência assume um papel de grande importância na operacionalização das políticas europeias, sendo essencial para a preservação das democracias no seio da união. A corrupção e o descrédito nos regimes democráticos varia na razão direta – o aumento da perceção da corrupção origina uma maior contestação e depreciação das democracias. Os cidadãos perdem confiança nos governos, nos membros dos parlamentos, nacionais e europeu, bem como nos partidos mais tradicionais, que estão associados às esferas do poder. (Não devemos dissociar desta relação causal as assimetrias sociais que crescem num mundo capitalista desregulado e também no interior dos países da UE).

 


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Quem ganha com tudo isto são os chamados “partidos populistas”, que recorrem a discursos virulentos para denunciarem as contradições dos protagonistas das democracias, sem, contudo, apresentarem soluções credíveis para os problemas enunciados. Como aconteceu no passado não muito distante (nos anos 20 e 30 do século XX, com a ascensão dos movimentos fascistas), esses discursos ressentidos e repletos de ódio endrominam, hoje, a opinião pública e têm permitido que esses movimentos e os seus líderes aumentem perigosamente os seus resultados eleitorais. O crescimento destes partidos e a popularidade dos seus líderes constituem um revés, mas também um desafio para as democracias atuais.

Torna-se, portanto, imperativo que os governos assumam uma posição de combate à corrupção. É fulcral fazer um maior escrutínio à res publica e aos agentes políticos que nela intervêm. Por isso, a União Europeia implementou políticas mais rigorosas nesta matéria (citámos já o TFUE). Adotou ainda medidas antifraude, como o “Programa Hércules”, que pretende proteger o dinheiro dos cidadãos europeus, ou o “Programa Péricles”, que tenciona evitar a contrafação das moedas e notas Euro.

 

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Imagem de uma das ações do programa Euroscola (Créditos: Parlamento Europeu) 

 

Mas o projeto europeu não é imune às fraudes. Recorde-se o recente escândalo ocorrido no Parlamento Europeu – conhecido como “Qatargate” – que envolveu a ex-vice presidente, Eva Kaili. Em todo o caso, não podemos ignorar a atuação que a UE adotou perante estas circunstâncias, demitindo imediatamente Kaili, que foi presa pela polícia belga, e aprimorando as suas políticas anticorrupção, para que casos como este não se repitam.

As instituições europeias estão unidas nesta luta, esforçando-se para cooperar e trabalhar na minimização da fraude e dos seus efeitos. A sua atuação passa pela criação de legislação que mitigue este problema e pelo controlo orçamental do Parlamento Europeu, bem como das suas finanças. Para tal, destacam-se os seguintes organismos: Organismo Europeu de Luta Antifraude, Comissão do Controlo Orçamental do Parlamento Europeu e o Tribunal de Contas Europeu.

A UE apresenta, de igual modo, um empenhado papel na sensibilização dos cidadãos europeus. Tal sensibilização centra-se na consciencialização de todos os cidadãos para o impacto do contrabando e da contrafação na economia europeia, de modo a detetar e prevenir a fraude.

 


«O combate à corrupção deve ser um desígnio prioritário, persistente e inelutável das democracias, porque é um dos principais fatores da sua erosão»

 

Como sempre acontece nos países onde vigora a liberdade de expressão, também os media se têm revelado uma arma eficaz no combate à corrupção, tendo exposto muitos casos. Joseph Pulitzer, emigrante húngaro que se tornou cidadão americano, revolucionou o jornalismo e combateu a corrupção no The World, jornal que comprou e dirigiu, afirmou, na sua obra Sobre o Jornalismo, 1904, que «uma imprensa capaz, desinteressada e solidária […], contribuirá para a manutenção dessa virtude pública, sem a qual o Governo do povo é uma farsa e uma burla». “Virtude pública” é, para Pulitzer, uma República íntegra, considerando este autor que uma imprensa forte e independente terá maior capacidade para preservar a decência e integridade republicanas – argumento que nós subscrevemos e alargamos a todos os regimes democráticos.

Em última análise, os cidadãos são sempre os mais lesados, as maiores vítimas. De acordo com os últimos estudos, em Portugal, a corrupção corresponde a, aproximadamente, 10% do Produto Interno Bruto (PIB), o que se traduz num prejuízo de cerca de 20 mil milhões de euros. Certamente, será consensual afirmar que este montante avultado poderia ser investido em prol do bem-comum, por exemplo nas áreas da saúde, educação, habitação ou infraestruturas.

 

 

 

Anualmente, no conjunto da UE, os custos associados à corrupção rondam os 904 mil milhões de euros. Os valores mais baixos pertencem aos Países Baixos (0,76% do PIB), à Dinamarca e ao Luxemburgo (ambos com 2% do PIB). Estas despesas são agravadas em países como a Roménia, que lidera os gastos associados à corrupção, correspondentes a 15.6% do PIB. Em seguida, encontra-se a Grécia (14% do PIB), a Itália (13% do PIB) e a França (6% do PIB) (valores facultados e atualizados, em 2018, num relatório do grupo parlamentar europeu dos Verdes/Aliança Livre Europeia).

O combate à corrupção deve ser um desígnio prioritário, persistente e inelutável das democracias, porque é um dos principais fatores da sua erosão. Compreendemos que não existem democracias perfeitas. E também sabemos que os homens e as mulheres não são imaculados e por isso não podem edificar utopias celestiais. Não procuramos governos de anjos! Procuramos governos – dotados de algum idealismo e genuinamente dedicados à causa da res publica – que nunca desistam de aperfeiçoar o imperfeito sistema democrático (que, como afirmou W. Churchill, «é a pior forma de governo, excetuando todos os outros»). Afinal, queremos que os protagonistas desses governos respeitem a audaciosa frase que declaram, perante os seus governados, no momento solene da sua tomada de posse: «juro cumprir com lealdade as funções que me são confiadas».