Em novembro de 1991, forças militares indonésias que ocupavam Timor-Leste assassinaram cerca de 400 timorenses, na sua maioria jovens. Como forma de homenagear as vítimas e chamar à atenção da comunidade internacional para a situação vivida pelos timorenses, a então recém-criada revista Forum Estudante organizou uma viagem até Timor num velho barco – o Lusitânia Expresso. A bordo, seguiam 120 estudantes de 23 países, bem como jornalistas e outros representantes. 30 anos depois, o então diretor da Forum Estudante, hoje seu CEO, Rui Marques, conta-nos mais sobre esta ação, destacando o papel dos estudantes na construção de um mundo melhor: “Os estudantes em Portugal e no mundo inteiro podem ser uma voz ativa por causas justas”.
O que foi a Missão Paz em Timor?
A Missão Paz em Timor foi uma iniciativa de jovens estudantes portugueses e de mais 23 países, dinamizada pela Forum Estudante para mostrar ao mundo o que se passava em Timor-Leste. Em particular, para mostrar ao mundo o genocídio do povo em Timor, defendendo, desta forma, quer os direitos humanos, quer o processo de autodeterminação de Timor-Leste. Foi um exemplo de como os estudantes em Portugal e no mundo inteiro podem ser uma voz ativa por causas justas e, sabendo comunicar e sabendo ter impacto na opinião pública, trazer para a luz do dia estas situações de injustiça e de violação dos direitos humanos, procurando de alguma forma, contribuir para que esta realidade se altere. Ou seja, no caso de Timor, que fosse possível a autodeterminação.
Esta escolha de serem estudantes a embarcar em viagem a Timor surge no seguimento do massacre de Santa Cruz…
A revista Forum Estudante tinha acabado de ser fundada, em novembro de 1991. O massacre de Santa Cruz acontece exatamente nesse mês e, quando surgiram as imagens, foi evidente que a Forum Estudante tinha de fazer alguma coisa. Tanto mais que grande parte das vítimas eram jovens. A partir daí, é a Forum Estudante que organiza – mobiliza, primeiro, as associações académicas de todo o país e, depois, a rede internacional, os jornalistas, os convidados, pedindo também apoios para a realização. É a primeira iniciativa mais mediática e impactante que a Forum Estudante desenvolveu.
Lembrando os momentos vividos no navio, qual foi o maior desafio que encontrou?
O primeiro desafio foi juntar os recursos necessários para toda a operação, porque era uma operação cara, que implicava muitos meios logísticos, com o navio a navegar durante vários meses, com tripulação, envolvendo viagens dos vários participantes, etc. Sem dúvida que foi, em termos logísticos e em termos de fundraising, muito exigente. Depois, estávamos a lidar com um adversário, a Indonésia, um grande país do sudoeste asiático, com 200 milhões de habitantes, e com um peso na cena internacional muito elevado. Foi também um desafio mobilizar todos os participantes, de os sintonizar e conseguir que fosse uma missão coesa e coerente, onde todos estivessem alinhados pelo mesmo objetivo.
«O papel dos jovens e dos estudantes deve continuar a ser o de estarem atentos, de serem capazes de se informar convenientemente, procurando ter espírito crítico, sabendo lidar e procurar a informação adequada»
E dentro do navio, qual era o sentimento que se vivia?
Eu acho que havia uma grande ansiedade e expetativa do que ia acontecer. Não senti propriamente que houvesse muito medo no ar. Mas, se não havia medo no ar, diria que isso envolvia alguma irresponsabilidade, no sentido que estávamos perante uma força naval de um país que não respeitava regras de direito internacional, de estado de direito e da dignidade humana, e tudo poderia acontecer. O ambiente foi relativamente tranquilo dentro do navio, mas os riscos eram evidentes. Felizmente, não houve nenhuma situação de pânico ou de excessiva perturbação dos participantes. Também porque havia um acordo com todos os participantes – as pessoas que estavam no Lusitânia sabiam, em cada circunstância, o que é que iria acontecer.
Reportagem de José Rodrigues dos Santos para a RTP, a bordo do Lusitania Expresso
Pensa que esta missão teve impacto nas instituições de ensino, principalmente através dos estudantes que participaram, a nível de interesse pelas iniciativas e problemas globais?
Sim, penso que foi onde teve mais impacto – nas universidades e politécnicos do país, portanto, em todo o ensino superior. É bom lembrar que cada uma das associações de estudantes do ensino superior estava representada no Lusitânia Expresso, quase sempre pelo seu presidente. Isso refletia um grande interesse e uma grande mobilização de todas estas instituições.
Em 1992, como é que foi possível chegar a estudantes de tantos países?
Esse era um dos grandes desafios. Nesta altura, os contactos faziam-se por fax – que é uma coisa que os leitores da Forum Estudante não sabem o que é (risos) –, e por telefone. Por isso, foi complicado, mas foi sempre possível, ao relacionar várias redes de contactos que foram sendo ativadas. Essas redes permitiram a composição internacional da Missão Paz em Timor, com a representação de muitos países e muitos países relevantes para a questão geopolítica, como os Estados Unidos, a Austrália, o Japão, a Índia ou todos os países da União Europeia. Esta composição diversificada foi muito importante.
Qual considera ser o papel dos jovens e dos estudantes no mundo face às mudanças globais?
O papel dos jovens e dos estudantes deve continuar a ser o de estarem atentos, de serem capazes de se informar convenientemente, procurando ter espírito crítico, sabendo lidar e procurar a informação adequada. Isto para poderem depois ser agentes de mudança e de transformação social. Apesar de não terem o poder político, no sentido que não ocupam ainda lugares de decisão política muito relevantes, os estudantes são sempre uma voz da consciência de cada momento. Poderem agir é também fundamental, no serviço às causas da defesa dos direitos humanos, da defesa daquilo que é justo e daquilo que é a construção de um mundo melhor.