A recordação mais marcante da participação no “Sete Anos, Sete Escolas” está bem presente na memória de Daniel Estevão.
“Recordo-me muito bem do momento em que apresentámos o nosso trabalho”, conta. Depois de alguns meses de envolvimento no projeto, no ano letivo 2016/2017, o então estudante da Escola Básica e Secundária Francisco Simões apresentou ao público, na Casa Municipal da Juventude de Almada, um filme documental realizado em conjunto com os seus colegas: “Senti-me orgulhoso e senti o reconhecimento dos colegas, dos seus pais e do público. Foi muito gratificante”

O filme documental apresentado por Daniel dava a conhecer o trabalho de um outro grupo de estudantes que participou na mesma edição do “Sete Anos, Sete Escolas”. Em específico, o filme focava os alunos e alunas da Escola Secundária António Gedeão, registando a forma como criaram o seu próprio objeto artístico a partir do contacto com a peça do projeto-mãe “Sete Anos, Sete Peças”.

Essa apropriação é, de resto, uma das ideias bases do “Sete Anos, Sete Escolas”, explica a criadora, Cláudia Dias: “A cada ano letivo, os alunos têm contacto com a peça do projeto-mãe e apropriam-se dos conteúdos, de forma aberta”. 

 


Sete Anos, Sete Peças. O projeto-mãe

O projeto “Sete Anos, Sete Escolas” está inserido no ciclo “Sete Anos, Sete Peças” – uma criação de Cláudia Dias que se realiza ao longo de sete anos, de 2016 a 2022. Depois da apresentação da primeira peça Segunda-Feira: Atenção à Direita!, em 2016, o projeto inclui a criação de um espetáculo por ano associado a um dia da semana. A descrição do projeto descreve cada peça como “um ponto de partida para outros encontros, nomeadamente com as escolas e a comunidade”, através de diversas formas de expressão. 




Desde 2016, a mesma dinâmica tem-se repetido, ao longo dos vários anos letivos. Tal como na primeira edição, o trabalho de criação realizado pelos estudantes (com idades entre os 15 e os 19 anos) é registado pelos alunos de uma turma do Curso Profissional de Multimédia da Escola Básica e Secundária Francisco Simões, que criam também outros objetos artísticos relacionados. O processo de criação é acompanhado por sessões de trabalho dentro e fora da escola que focam áreas como a voz, a escrita, a composição musical ou a improvisação.

Em 2020, o projeto “Sete Anos, Sete Escolas” foi vencedor do Prémio BPI "la Caixa" Solidário, sendo que, ao longo dos últimos cinco anos letivos, o resultado do trabalho dos estudantes é diversificado. Para além de peças originais, já foram criados filmes de animação, livros ou eventos digitais.

 

 

No presente ano letivo, o resultado será uma exposição a apresentar na Oficina da Cultura de Almada, de 4 a 19 de junho. Para Cláudia Dias, essa diversidade de objetos artísticos é parte essencial do “Sete Anos, Sete Escolas”: “Não queremos que [os estudantes] sejam reprodutores dos nossos modelos, é a sua voz e palavra que conta, sempre”.  

Dar voz aos estudantes

Se é verdade que um dos principais focos do projeto é permitir aos estudantes participar num processo criativo, Cláudia Dias ressalva que “o objetivo não é formar artistas”. Antes, através deste trabalho conjunto, é possível mostrar aos alunos e alunas “que, potencialmente, são criadores”. “A verdadeira experiência transformadora não está na fruição, está na criação. É importante que todos estes jovens não fiquem logo catalogados como fruidores, numa atitude passiva”, reforça. 

 

 


“Há aproximação dos jovens ao ativismo político, querem questionar e conhecer o que está acontecer na sociedade, colocando questões, procurando soluções, alertando para problemas. Projetos como este ajudam certamente os jovens a despertar essa consciência”
Daniel Estevão, antigo participante do “Sete Anos, Sete Escolas”


 

A mesma ideia é reforçada pelo compositor João Miguel Fonseca, que colabora com o projeto vertente de formação musical. Para o músico, este contacto permite aos participantes ter noções mais aprofundadas do que são as várias áreas artísticas: É uma parte importante do projeto que os estudantes possam sentir-se criadores”.

O contacto com a criação artística resulta ainda no que Cláudia Dias descreve como “o  empoderamento” dos estudantes: “[Queremos] promover o pensamento crítico junto destes jovens, lembrando-lhes que são cidadãos de pleno direito, com direitos económicos, sociais e culturais”.

 

 

 

Um objetivo que, para o participante Daniel Estevão, foi cumprido, ao revelar que o projeto o ajudou a encontrar uma voz, antes de acrescentar: “Há uma aproximação dos jovens ao ativismo político, querem questionar e conhecer o que está acontecer na sociedade, colocando questões, procurando soluções, alertando para problemas. Projetos como este ajudam certamente os jovens a despertar essa consciência”.  

Contactar com o mundo

A primeira peça criada pelos estudantes, no ano letivo de 2016/207, foi vista por cerca de 300 pessoas, no total de todas as suas apresentações. Uma dimensão que é descrita como crucial por todos os envolvidos. “Esse momento de vitória e orgulho também tem impacto”, destaca Cláudia Dias, salientando o contributo desse impacto no “desenvolvimento da autoconfiança e da capacidade de defender pontos de vista e visões sobre o mundo”, reforçando a ideia de que “podemos estar em desacordo e, ainda assim, criar objetos em coletivo”.                                                                                    

O contacto com espaços fora da escola é também destacado como uma oportunidade de crescimento para os alunos, numa lógica de quebrar ideias pré-concebidas e conhecer outras realidades. Para além da relação direta com artistas, há ainda o contacto com outras pessoas e profissões que estão por trás do fazer artístico”, destaca Cláudia Dias, como produtores ou diretores técnicos de luz e som, por exemplo.

 


“A cada ano letivo, os alunos têm contacto com a peça do projeto-mãe e apropriam-se dos conteúdos, de forma aberta. […] “Não queremos que sejam reprodutores dos nossos modelos, é a sua voz e palavra que conta, sempre"
Cláudia Dias, criadora do projeto “Sete Anos, Sete Escolas”




 Por outro lado, desde que, em 2019, o projeto foi integrado no programa PARTIS da Fundação Calouste Gulbenkian, passou também a contar com a participação de uma equipa de sociólogas. Esta pode ser uma forma de conhecer “uma série de possibilidades e vias profissionalizantes de que nem sequer tinham conhecimento”.  

O papel da Escola

Américo Jones é professor do Curso Profissional de Técnico de Multimédia na Escola Básica e Secundária Francisco Simões, em Almada. Está envolvido no “Sete Anos, Sete Escolas” desde o seu início – um convite que, conta, aceitou rapidamente: “Disse logo que sim, pensando que o projeto poderia dar aos estudantes uma visão artística e conceptual que a Escola, só por si, não dá”.

Para Américo Jones, os estudantes “não devem ficar encerrados na sala de aula”, razão pela qual organiza com frequência visitas ao teatro, cinema ou a exposições, onde são consumidores. O projeto “Sete Anos, Sete Escolas” oferecia uma viagem “ao lado de lá” do objeto artístico, algo que considerou “uma opção muito interessante”. 

 

 Trabalho elaborado pelos estudantes da Escola Profissional Francisco Simões, no âmbito do projeto (Fonte: Canal de YouTube da EPFS)


De resto, para o professor, a oportunidade apresentada por iniciativas como esta
“favorecem o papel da Escola”, ajudando os estudantes a trabalhar em equipa, a compreender o outro e a ganhar autonomia, por exemplo. Não quero que os meus alunos sejam puramente técnicos de Multimédia – para isso podem ir ao YouTube ver tutoriais – eles têm de aprender a pensar por eles próprios, acredita, destacando a importância da construção e partilha da sua própria voz.

Dar aos jovens uma voz é um dos objetivos mais salientados por Cláudia Dias, ideia que ilustra com uma recordação. Em 2019, o projeto estendeu-se ao Vale da Amoreira, no concelho da Moita, trabalhando com um grupo de jovens que, em parte, tinha abandonado a Escola. O trabalho contou com uma apresentação pública, onde se encontrava um representante do poder local. “Nessa altura,  um dos jovens disse-me: ‘Cláudia, diz lá para fazerem mais iniciativas como esta’. Foi então que eu respondi: ‘Tu é que vais dizer. Toma o microfone e diz’”, recorda a criadora, antes de acrescentar: “O momento em que esse miúdo, que tem o mundo contra ele, agarra o microfone e se dirige, na primeira pessoa, ao vereador, dizendo que quer mais projetos como aquele, é o objetivo máximo do ‘Sete Anos, Sete Escolas’”. “Este projeto visa o que foi materializado nessa noite”, conclui.